#16 ser a irmã mais velha
seus problemas e mais um pouco — como, quase que consequentemente, ser a amiga protetora e conselheira
Queria escrever sobre isso já há um tempo, mas nunca me veio a real inspiração, mas ontem parece que uma chavinha virou na minha cabeça. Usei a Vera Paiva na capa porque ela representa uma parte bem grande de nós, primogênitas, o desejo de ir embora. Acho que é um anseio comum nesse grupo, querer crescer logo e se mudar pra outra cidade, às vezes outro país, como Vera.
Muitas irmãs mais velhas não querem ter filhos, cansadas por terem passado a vida cuidando do irmão mais novo, tendo que ser exemplo, não podendo se estressar com ela, até porque, quando você era pequena igual ele, ninguém gritava com você, seus pais não faziam isso quando você tinha a idade dele, mas você não tem esse controle emocional, você é uma adolescente.
Um monte de gente diz que sou igual minha mãe, em aparência, personalidade, etc, e eu concordo, só acho que eu sou mais emotiva e irresponsável em relação à mim mesma do que minha mãe foi na minha idade — não me orgulho. Uma coisa que acho que é comum entre as irmãs mais velhas (de acordo com minha experiência) é sua relação com seus pais se degradar com o tempo, e é assim que começamos nosso primeiro tópico.
O carinho de ambas as partes diminuiu conforme nossos tamanhos aumentaram
Eu amo meus pais, sempre amei, mas é inegável que o CARINHO deles por mim era maior quando eu era pequena. Nós passávamos mais tempo juntos, seja assistindo um filme, jogando jogos de tabuleiro, saindo pra almoçar ou qualquer coisa que envolva ficar em família.
Também tenho certa culpa, porque, depois que cresci, não consigo mais demonstrar tanto. Meu pai já reclamou diversas vezes que eu não sou carinhosa com ele como eu era quando pequena, e é verdade, mas eu só não consigo, e eu realmente acho que preciso melhorar nisso.
Não sei se é algo que acontece muito com primogênitas ou com garotas adolescentes/jovens em geral, mas com meu exemplo e o exemplo de uma amiga que também é irmã mais velha, me parece sim algo recorrente.
A conselheira
É como se nós, por sermos mais velhas que nossos irmãos, tenhamos passado por tudo que eles estão passando agora, fazendo com que pareça que temos todas as respostas. É gratificante saber que tem a confiança de alguém, saber que alguém te vê como guia, mas o ruim disso é ter que deixar transparecer que tem a certeza do que fala, mesmo que não tenha, mesmo que nós ainda estejamos tentando entender a vida também.
Com o costume de cuidar do irmão, vem aquele sentimento de que precisamos cuidar de todas as outras pessoas que nos cercam também, e assim fazemos, mas quando nós finalmente precisamos desabafar, é como se não levassem a sério, afinal, sempre fomos fortes, isso quando tem alguém que te ouça. Como admitir que também temos medos, problemas e fraquezas? Quem vai nos aconselhar?
Se sentir responsável pelas pessoas ao seu redor
Quando alguém faz algo pra quem eu amo, eu me sinto na obrigação de tomar as dores da pessoa que me é especial, de cuidar dela, mesmo que eu não consiga cuidar de mim mesma. Costumo ajudar minhas amigas à resolverem situações que elas passam, mas eu não consigo revolver as situações que EU passo.
Ajudo amigos a fazerem trabalhos escolares, a reconstituírem outras amizades, a saber quando se afastar de outras amizades, mas eu não sei consertar minhas amizades, não sei quando eu preciso me afastar. Desde ajudar nos cuidados com os irmãos mais novos até ser a mediadora de conflitos, nós acabamos assumindo funções que não estamos prontas pra lidar. É cansativo e até injusto, já que também estamos aprendendo a lidar com a vida.
Essa experiência traz maturidade, mas também uma solidão peculiar. Nós nos vemos numa posição em que precisamos ser adultas antes do tempo, abrindo mão de partes das nossas infâncias ou adolescências. Pensamos muito no futuro, ficamos tristes com as brigas entre nossos pais e pensamos no quanto nossos irmãos também vão ficar quando entenderem o que está acontecendo. Sou 7 anos mais velha que meu irmão, quando eu tiver 18 anos, ele vai ter 11, eu quero ir embora pra fazer faculdade, mas não quero deixar ele sem a irmã mais velha. Ser a irmã mais velha é se preocupar muito com tudo.
Nós cuidamos, brigamos, acalmamos nossos irmãos, mas, no fim do dia, quem vai fazer o mesmo por nós?
Pressão por perfeição
Fora ser responsável pelos outros e não conseguir ser por si mesma, também tem você sentir como se carregasse o mundo em suas costas, mesmo que não seja tanta coisa, você vai sentir isso, porque além de cuidar de si mesma, tem que cuidar de uma pessoinha que tem seu sangue e seu coração. Ser exemplo pra essa pessoinha, ter que ser uma boa filha, boa aluna, boa amiga, boa pessoa, não poder errar.
Os pais, muitas vezes sem perceber, cobram mais de nós. As notas precisam ser melhores, as atitudes mais pensadas, as escolhas mais maduras. Enquanto os irmãos mais novos têm espaço para experimentar e falhar, nós sentimos que precisamos acertar sempre. Isso pode gerar uma autocobrança tão grande que, mesmo na vida adulta, a irmã mais velha continua se pressionando a ser impecável em tudo.
Às vezes essa pressão nem vem dos seus pais, e sim de você. No meu caso, vem de ambas as partes. Sinto que tenho que ser perfeita em tudo, e se não for, vou sentir que falhei como pessoa.
O pior é quando a primogênita finalmente comete um erro e percebe que o mundo não acabou. Descobre, então, que poderia ter sido mais gentil consigo mesma. Mas essa lição muitas vezes vem tarde, depois de anos tentando ser a filha perfeita, a irmã perfeita, a pessoa perfeita.
A solidão do caminho
Ser a primeira filha significa trilhar um caminho que ninguém na família percorreu antes. Ela é a pioneira em tudo: a primeira a enfrentar a adolescência, o primeiro namoro, a primeira escolha de faculdade, o primeiro emprego. Enquanto os irmãos terão ela como referência, ela mesma não teve ninguém para orientá-la da mesma forma.
Essa solidão pode ser silenciosa. Os pais, por mais amorosos que sejam, estão aprendendo a criar um filho junto com ela. Cometem erros que não repetirão com os mais novos. Ela é a filha que testa os limites, que descobre o que funciona e o que não funciona, e muitas vezes paga o preço por isso.
Quando os irmãos mais novos reclamam que temos privilégios por sermos mais velhas, eles não veem que também tivemos menos orientação, mais cobranças e menos compreensão. Abrimos caminho para que a jornada deles fosse mais fácil.
A relação com os pais
A primeira filha tem uma relação única com os pais. Eles estão descobrindo a paternidade e a maternidade com ela, o que pode torná-los mais rígidos, mais protetores. Com os irmãos que vêm depois, os pais já estão mais confiantes.
Muitas vezes, nós sentimos que fomos criada com regras mais duras, enquanto os mais novos têm mais liberdade. Isso pode gerar ressentimento, mas também pode ajudar a gente a entender que os nossos pais estavam apenas tentando acertar. Com o tempo, percebemos que, embora tenhamos sido cobradas demais em algumas coisas, também tivemos momentos de exclusividade com nossos pais que os nossos irmãos não tiveram.
A revolta silenciosa com o destino
Já houveram tantos momentos que me questionei do porque nasci primeiro, eu não queria, eu não me sinto feita pra cuidar das pessoas, mas parece que eu devo fazer isso, então eu me moldo pra que eu o faça, mesmo que não seja emocionalmente certo pra mim. Já imaginei como seria ter uma irmã mais velha, uma confidente, alguém que me ouvisse, ajudasse, aconselhasse, brincasse comigo, tudo isso. Eu queria ser cuidada, não cuidar.
O peso e o (nem tão grande) privilégio de ser a primeira
Ser a irmã mais velha é carregar nos ombros histórias que ninguém mais lembra, cicatrizes que ninguém vê e um amor que muitas vezes não precisa de palavras. É um papel feito de contradições: você é a mais forte, até o dia em que não pode ser; a mais responsável, até o momento em que precisa quebrar as regras; a cuidadora, mas também precisa e QUER ser cuidada.
Não é fácil abrir caminho para os outros, servir de exemplo e ainda assim tentar encontrar a própria identidade no meio disso tudo. Mas há uma beleza única em ser a primeira. Você testemunhou a vida dos seus irmãos antes mesmo deles se entenderem como pessoas. Você os protegeu, brigou com eles, os viu crescer e, no fim, percebeu que todo sacrifício valeu a pena – não porque você precisava provar algo, mas porque o amor fraternal é assim: silencioso, persistente e maior do que qualquer responsabilidade imposta. Você foi a primeira filha dos seus pais, eles aprenderam a serem pais com você, e isso pode ser bom ou ruim.
Ser a irmã mais velha é, acima de tudo, um laço que o tempo não desfaz. Pode mudar de forma, pode se tornar mais leve com os anos, mas nunca deixa de existir. Porque você não foi apenas a primeira filha – você foi (e sempre será) parte fundamental da história deles. E, de alguma forma, eles também são parte fundamental da sua.
No fim, não se trata apenas de ter nascido antes. Trata-se de ter amado antes, de ter que amadurecer antes, de ter errado antes e de ter crescido junto – mesmo quando ninguém percebeu.
Passando aqui pra avisar que talvez eu faça um artigo dedicado à Elena Costa.
Obrigada por ler. <3
Com carinho (e amor fraternal),
Nicoly, eu.
olha, eu sou a irmã mais velha e falava desse pequena que se fosse mãe, teria um(a) filho(a) só haha acho que com o tempo, percebo que é inevitável ser a cobaia, o que me causou ressentimentos tipo ter que wue esperar certa idade pra fazer algo e ver minha irmã ganhar os mesmos privilégios quase imediatamente. ou ter que adaptar todos os planos de família pra caber meu irmão sete anos mais novo, quando eu já estava em outra fase. é complicado, pra dizer o mínimo.
acho que a vantagem, talvez seja o gap geracional (30+ aqui), mas eu tive mais oportunidade de escolher o que gostava por conta própria. meus pais estavam um pouco ocupado com crianças menores pra me impedir de ver reprises de seriados de adultos no sábado de manhã. eu era viciada em friends antes de saber ler haha e lia livros adolescentes da biblioteca lá pelos meus dez anos.
meus irmãos tiveram pais que se importaram com classificação indicativa, tempo de tela e afins, eu fui uma criança que ouvia é o tchan, sabe?
Ser irmã mais velha é, ao mesmo tempo, uma das melhores e uma das piores coisas da minha vida. Essa situação se torna ainda mais difícil quando sua relação com os seus pais não existia antes de seu irmão nascer, já que eu sequer morava com eles antes disso. Me sinto sufocada, dolorida e machucada por todos esses 18 anos vivendo desse jeito. Eu amo o meu irmão e ele é meu melhor amigo, mas ainda assim...como dói. Senti muita inveja dele enquanto crescia, já que parece que nem somos filhos dos mesmos pais, uma vez que ele tem todo o carinho e a atenção, enquanto eu tenho a responsabilidade. Eu sou ótima, excelente em praticamente todas as áreas da minha vida, mas isso nunca vai ser suficiente. Ser a irmã mais velha é complicado, acho que eu gostaria de experimentar não viver nesse constante abismo de solidão.
Seu texto é excelente, sua escrita melhor ainda. Meus parabéns! Obrigada por ter compartilhado essas palavras e esses pensamentos com tantas de nós. Espero de coração que as coisas pra você, como irmã mais velha, estejam bem. Abraços!